O PENSAMENTO DUALISTA – RUMO À
NEGAÇÃO DA SEXUALIDADE
Durante séculos o Cristianismo viveu uma situação conflituosa com a sexualidade. E há muitas pessoas que pensam ser a bíblia um conjunto de livros sexófobos.
Durante séculos o Cristianismo viveu uma situação conflituosa com a sexualidade. E há muitas pessoas que pensam ser a bíblia um conjunto de livros sexófobos.
O
fato é que praticamente quase não existe bibliografia que aborde esta
problemática, indica a desconfiança e a suspeita de que a sexualidade e a
Bíblia são hostis entre si.
Se
o cristianismo pôde esquiva-se com êxito do perigo dos cultos mistéricos – que
constituíam o verdadeiro culto popular no Império Romano, nos primeiros séculos
do cristianismo, e seu auge que chega até Roma, até do ultimo deles, o de
Mistra, ao qual pertenceram vários imperadores como Diocleciano. Teve maiores
dificuldades e riscos no seu encontro com a ideologia religioso-filosófico
dominante do império: tanto a ética rigorista estóica como a filosofia
neoplatônica dualista, como, e muito especialmente, o Gnosticismo.
Quando
se censura o cristianismo pela sua leitura negativa da sexualidade é preciso se
levar em conta, sobretudo a contribuição destas novas correntes que, em linhas
gerais, irão estar em aberta contradição com os postulados da Bíblia,
especialmente com o Antigo Testamento.
A Visão Estóica - Uma dessas primeiras
correntes foi o Estoicismo, escola filosófica fundada por Zenão, por volta do
século III a.C., na Grécia, teve um período de grande vigor nos primeiros
séculos da era cristã, especialmente em virtude das suas altas concepções
éticas e certo monoteísmo panteísta que se aproximava da concepção bíblica de
um Deus providencial.
Basta
lembrar, de entre seus principais expoentes, do preceptor de Nero e
contemporâneo de Paulo, o filósofo Sêneca; do escravo Epicteto e do imperador
Marco Aurélio, todos eles atuando em pleno período da expansão cristã.
O
Estoicismo apresenta uma ética que não é conseqüência de um pacto divino como o
Decálogo, mas o futuro da razão humana e, portanto, de alcance universal.
Caracteriza-se
por seu rigor, de onde a palavra “estóica” adquire o sentido de austero e
severo, em nosso idioma.
O
Estoicismo incorpora a palavra “virtude” (arete), desconhecida da Bíblia, como
o domínio que a parte racional do ser humano exerce sobre suas paixões e
sensações.
O
ser humano virtuoso ou sábio chega assim à “apatheia”, ou seja, à ausência de
(pathos) que descontrolam a pessoa.
Como
dizia Sêneca: “A temperança numa busca o prazer por si mesma”; ou como dizia um
adágio estóico: “Não faças nada pelo puro prazer”.
O
Estoicismo opõe-se assim às propostas contraditórias dos epicuristas, para quem
o prazer – moderado, é claro – é o objetivo da vida humana.
Em
síntese: o domínio da razão sobre as paixões, algo que o Ocidente será sinônimo
de virtude.
Muitas
das virtudes chamadas cristãs têm, na realidade, uma origem estóica, como a
temperança, a paciência e o autocontrole. Mas em especial a necessidade de
justificar racionalmente mesmo o ato sexual como simples motivo para a
procriação.
A
filosofia grega de origem platônica ressuscita num grande movimento chamado
Neoplatonismo, que terá grandíssima influencia na teologia cristã.
Esta
filosofia que é também Teodicéia está assentada sobre a idéia de Platão,
ressuscitada com grande vigor nos primeiros séculos cristãos, especialmente por
Plotino. Segundo ela, o ser humano é composto por dois elementos irredutíveis
entre si: o corpo e a alma.
Enquando
o corpo é corruptível, material e interior, a alma é espiritual e imortal
(inclusive preexistente, segundo Platão) e deve retornar, libertando-se da
“cadeia do corpo”.
Não
desmerece acrescentar que o corpo sexuado, a sexualidade, os “prazeres da
carne” e tudo que tenha a ver com eles são a parte animal do ser humano que
deve ser dominada e controlada pelo espírito para não sucumbir.
Como
vemos, palavra mais ou palavra a menos, tal a síntese grega que incorporamos
como essência mesma do Cristianismo. Sem esquecer que todo este ideal aparece
ditado pela razão, amolda a verdadeira liberdade do ser humano e responde à lei
natural.
Ainda
com risco de parecer obsessivo, reitero: não se trata de criticar estes
princípios, mas de descobrir o que é bíblico e o que não é bíblico no que
comumente chamamos Cristianismo e moral evangélica.
A Visão Gnóstica –
sobre esta base dualista da filosofia grega – tão diferente quanto não
contraposta à concepção bíblica do homem – sobrevém a invasão de um movimento
religioso que levará o dualismo até seus últimos extremos, apoiando-se tanto na
filosofia grega, como no dualismo persa dos dois princípios do bem e do mal,
como nos textos da Bíblia interpretados a partir da sua ótica especifica, sem
desenhar certos elementos mistéricos.
Nunca
a humanidade conheceu uma desvalorização tão grande do mundo, da história, do
corpo humano e da sexualidade como com o Gnosticismo... que penetra no Império
Romano um pouco antes do Cristianismo.
O
gnosticismo, que nasce provavelmente na Pérsia, penetra primeiro no Judaísmo
(em Filão, por Exemplo), logo no Cristianismo, com o que praticamente se funde
convertendo-se posteriormente na heresia por excelência.
Se
o evangelho de João é a melhor tentativa de assimilação dos conceitos gnósticos
(oposição do “mundo” a Deus, de Cristo Luz ao mundo das trevas etc.), haverá
outras formas extremadas que a igreja condenará como acontece em todos os
processos sincréticos.
A
última grande tentativa gnóstica-dualista foi o Maniqueísmo, fundado pelo persa
Mani, no século III, e com tal organização que pôs em sério risco a própria
existência da igreja até o século V, dada sua grandiosa concepção, seu dualismo
exacerbado e sua excelente organização.
O
que ganhou o Cristianismo com a gnose e o que perdeu é uma dúvida que deixamos
levantadas como uma inquietude. De fato temos que admitir contabilizando tudo
como uma tremenda perda cujas conseqüências sofremos ainda hoje.
Mas
o que é este Gnosticismo? Ele apresenta uma visão completa e integral de Deus,
do ser humano e do mundo a partir de uma leitura pessimista. Ao olhar o mundo e
a vida humana, o ser humano descobre o mal: a ignorância, a falsidade a
felicidade ilusória, o pecado (tudo que é aparência de vida), a morte, e então se
pergunta por sua origem e pela forma de superá-la.
Por
isso mesmo, é uma religião de salvação do ser humano mediante a “Gnose”, ou
seja, mediante o conhecimento profundo do Deus “verdadeiro”, daquilo que é
realmente o ser humano e do caminho que este tem para voltar para Deus,
escapando do mundo e do corpo. Mas sigamos por partes.
Os
gnósticos partem do pressuposto de que um Deus verdadeiro e bom não pode ser a
origem do mal que está no mundo, no ser humano e na matéria.
Portanto,
segundo eles, o mundo e tudo o que é material – também o ser humano enquanto corporal
não criado pelo Deus verdadeiro (só revelado aos gnósticos, obviamente..), mas
por certos personagens chamados arcontes, seres demoníacos e
andróginos, também chamados de demiurgos, num total de sete, como os planetas.
Para
os gnósticos Javé, o Deus dos Hebreus, é o chefe dos arcontes ou demônios,
ajudado por eles, cria também o primeiro homem, mas não lhe pode dar a alma,
por isso o Deus bom decide finalmente depositar nele uma faísca de luz. Mas
esta faísca divina (“o espírito” divino que há em todos os seres humanos fica aprisionado
no corpo material demoníaco).
Pois
bem, como Deus verdadeiro e desconhecido, que é luz, depositou no corpo humano
essa faísca de luz que permite ao homem dar-se conta da sua verdadeira origem,
então o deus mau (Javé) cria a mulher e apresenta o Adão com o propósito de
que, procriando outros seres humanos, a faísca divina permaneça escravizada de
geração em geração.
Nesse
ínterim, os arcontes, andróginos que são também bissexuais, mantêm relações
sexuais com Eva, e, segundo outros escritos, também com Adão. Fruto dessa
relação adúltera será o nascimento de Caim e Abel.
Interessante
é que na visão dos gnósticos a serpente é a boa mestra da sabedoria, que ajuda
Adão e Eva a descobrir o segredo da verdadeira sabedoria se opondo a Javé (mau
e invejoso) a descobria a verdadeira sabedoria a Gnose que se dá ao comer do
fruto proibido da árvore.
Então javé os expulsa do paraíso
e descarrega sobre eles seus castigos: gere a atração sexual da mulher pelo
homem que a dominara, impõe ao homem o trabalho árduo e submete ambos à morte.
Nesse
caso o Gênesis bíblico é interpretado em
sentido oposto ao tradicional, mas com grande lógica, já que parte do suposto
de Javé (chamado Ialdabaoth) é um deus mau e falso.
Lá
na frente dirá os gnósticos que o pecado dos primeiros pais é interpretado como
pecado sexual ou como causa imediata da paixão sexual. Ao mesmo tempo, e por
lógica com estes princípios, exacerbar-se-á a fuga do mundo na vida celibatária
e na vida religiosa com uma ascese de auto-sacrificio e certo masoquismo que
calará muito fundo na concepção do que é santidade cristã. Não esqueçamos que
já no começo do século IV surge um importante movimento monacal que afirmará
nos séculos seguintes.
Assim,
pois, embora os bispos dessa época pudessem condenar o Gnosticismo e ordenar a
queima dos seus livros, muitas das suas idéias permaneceram vigentes,
especialmente sua aversão ao corpo e ao sexo... Aversão que perdura até os dias
de hoje. Basta recordar a frase de são Jerônimo: “aprecio o matrimônio porque
faz nascer virgens”
Portanto
dado a essa aglutinação de idéias o Cristianismo ficou preso numa visão
negativa da sexualidade que através de um lento processo de assimilação
interna, será mantida como “a visão teológica e antropológica da palavra de
Deus...”
Elementos
da ética estóica, como também idéias do neoplatonismo e do pitagorismo e estranhas teorias gnóstica
chegada da pérsia ficaram aglutinadas com o textos bíblicos, conformando um só
corpo ideológico ao qual se dará o genérico nome de “palavra de Deus”,
tradição, moral evangélica, reta razão ou lei natural”. O resultado será um
moralismo asfixiante que afogará a mensagem inovadora de Jesus, o mesmo que
lutou durante sua vida pública contra o legalismo moralista e fariseu. fonte. Texto Apresentado na UFRPE - No Curso de Pós-graduação em História das Artes e das Religiões - Autor: Historiador Esdras Cabral
Parabéns por seu comentário. Acabei de adicionar seu blog à lista dos favoritos do meu. Abraços!
ResponderExcluirObrigado Daladier, Também tenho você no Meu
ResponderExcluirCaro pastor Esdras, a paz do Senhor e bem-vindo a blogosfera!
ResponderExcluirFiquei sabendo de seu blog através do blog do pastor Altair Germano! Que Deus continue o abençoando em Cristo!
Em Cristo,
http://www.joaopaulomsouza.blogspot.com.br/